Elide, conta-me os teus sonhos
Exibido no festival Mesnografias, 5ª edição, de 7 de junho a 14 de julho de 2025, Les Mesnuls, França



   





Retrospectiva de cinco anos: Vistas da Costa Bretã,
Galeria Esther Woerdehoff, Paris, 28 de julho a 23 de setembro de 2023



   









Songe
BZH PHOTO 2021 Exposição de Restituição de Residência, Loguivy-de-la-Mer, França


   






Echouage
Dispositivo cenográfico criado pelo coletivo arquitetônico “Exercice” para a imagem “Goémon”,
produzida durante a residência e exibida no festival BZH PHOTO em 2021, Loguivy-de-la-mer, França



  





 






Ensaio para avançar para o começo
Exposição de restituição de residência no Centro Tignous de Arte Contemporânea, Montreuil, França, de 9 a 31 de outubro de 2020



Ensaio para avançar para o começo
De Fernanda Tafner
Por Ângela Berlinde




Diz-se que as crianças trazem no seu olhar, uma visão límpida e transparente, para assim descobrirem o mundo, como quem o devora, numa espécie de atração mágica inevitável.

Fernanda Tafner embrenha-se no caldeirão mágico da infância e, de mãos dadas com as crianças de Montreuil constrói, de forma livre e intuitiva, um ensaio que nos leva a interrogar sobre a beleza das primeiras coisas, sobre o verdadeiro lugar da humanidade e a sua conexão, ora estranha ora familiar, com a natureza.

Entregue às constelações do universo infantil, a fotógrafa brasileira radicada na França convida-nos a ver o mundo de pernas pró ar, para ali se achar em revelações, que pulsam como batimentos cardíacos que marcam o ritmo, ora sábio ora inocente, de um coração dividido entre o corpo e o espírito. A sua obra sintetiza uma espécie de simbiose, entrelaçando o seu olhar com a poesia do poeta brasileiro Manoel de Barros. Com Tafner, o observador é apanhado desprevenido no desafio de unir os fragmentos deste jogo entre a fotografia e a poesia, marcado por dois caminhos: “o da sensibilidade que é o entendimento do corpo e o da inteligência que é o entendimento do espírito”. Se o poeta Manoel de Barros escreve com o corpo, a artista confessa que fotografa com a boca, numa metáfora primitiva de devorar o mundo com o olhar.

A visão de uma arapuca, (ara’puka em tupi-guarani), armadilha musical de origem indígena, destinada a caçar pássaros, antecipa múltiplas metáforas e impasses da vida, em que a artista nos convida para uma jogo poético e existencial. Numa espécie de espiral pelos interstícios da mente, despertada pela magia do aparelho fotográfico, Fernanda convida-nos a um jogo, mas é em silêncio que nos deparamos com o dilema: Seremos a caça ou caçadores ? - Entre o olhar que deseja e o que é desejado, a artista toma um lugar de ambivalência onde ora é a personagem projetada no trabalho, ora é a observadora. Assim, vai compondo a sua estratégia visual: a magia da fotografia se estende ao olho que deseja, capaz de despir, devorar ou exaltar, desconstruir e transformar a imagem.

Fernanda Tafner propõe-nos uma viagem híbrida ao princípio das coisas, numa série difusamente alegórica, confirmando a afirmação de Walter Benjamim que a alegoria é único divertimento, de resto muito intenso, a que o melancólico se permite. Num jogo com as crianças e numa troca lúdica de saberes, entre o ancestral e o contemporâneo, a artista entrega-se a uma aventura psicológica em torno da imagem, em busca de respostas pelo presente, escavando as camadas do imaginário que se foram sobrepondo ao longo da história. Nesse sentido, a fotografia proporciona ao observador uma determinada experiência, que é a de vislumbrar aquilo que se oculta na realidade. Assim, da mesma forma que a psicanálise revela, por detrás das coisas banais e conhecidas, um “inconsciente pulsional”, a fotografia trabalha um “inconsciente ótico” nas palavras de Benjamim. Neste diálogo entre a fotografia e a psicanálise que aponta para a descontinuidade entre o conteúdo manifesto e o conteúdo latente, a fotografia revela a pequena “centelha do acaso", o imperceptível que ao operar ao nível do inconsciente, permite aceder a zonas obscuras que o olhar não consegue captar. Justamente por enxergar um instante, a fotografia propicia a descoberta daqueles momentos que fugiram à percepção, diante de um mundo, que não cessa de mudar, “exceto as nuvens, e debaixo delas, num campo de forças de torrentes e explosões, o frágil e minúsculo corpo humano”. [Benjamim 1985] ,1

Ao incorporar, pois, no seu discurso a imagem fotográfica, as obras de Fernanda sussurram, através do jogo poético, aquilo que escapa ao olhar que se concentra apenas nos aspectos mais visíveis da fotografia, para navegar nas camadas mais profundas da imagem, revelando e iluminando as zonas antes obscuras. A instalação aqui proposta lembra um grande jogo de tabuleiro composto por cores elétricas das criaturas selvagens da floresta, que numa graça antropomórfica se precipitam em colagem hiper-realistas, desenvolvidas pelos pequenos artistas. Montadas em diferentes escalas e dimensões, as suas composições transformam-se num mosaico atravessado por infinitos quebra-cabeças. Esta é a afinal a génese da infância, com os seus porquês que nos levam a investigar seriamente o mundo.

A artista atreve-se a abrir um lugar onde o imaginário se assume como um grande jogo – amplo e aleatório, labiríntico e metamórfico – no qual se deixa enredar e procura infinitamente interpretar, numa espécie de segredo que paira no encontro entre a experiência e a contemplação. É impossível ficar indiferente perante o seu olhar inquieto que pulsa diante o avesso da humanidade e aceder ao seu convite para inventar novos começos.

1BENJAMIN, Walter. “Pequena história da fotografia”. 1985










        










Matières à penser
Exposição no Centro Tignous de Arte Contemporânea, Montreuil, França, de 11 de outubro a 14 de dezembro de 2019










As mãos de Fernanda Tafner
Por Romain Arazm
Texto publicado na revista Point Contemporain em 2020




Sujas ou lavadas, sobre o coração, ao ar ou mesmo no bolso, as mãos são mais do que apenas a extremidade do braço ao qual estão anatomicamente ligadas. Algumas falam com uma elo quência rara. A delicadeza da escuta da fotografa brasileira Fernanda Tafner soube capturar a discrição de seus discursos para nos fazer entende-lo melhor.

Das pintadas em negativo nas paredes das grutas pré-históricas aos inúmeros esboços dos cadernos de Leonardo da Vinci, passando pelas que tocam no topo da Sistina, as mãos — tal como os rostos — exigem todo o virtuosismo dos artistas.

Dirigindo os olhos do espectador, elas compensam facilmente o silêncio da pintura e da fotógrafa.

Na instalação panóptica de sua série Maneiras (2018), as mãos fotografadas por Fernanda Tafner no metrô parisiense ocupam o centro do que somos tentados a continuar chamando de "retratos".

Cuidadas, manicuradas, calejadas, tatuadas ou ricamente ornamentadas com joias de todos os tipos, estas mudrasdos tempos modernos são autênticos concentradores de identidade. “Elas são o centro de um pequeno mundo” recorda a artista que as imortaliza diariamente, o mais discretamente possível, com a ajuda de seu telefone celular. Isolando as mãos dos desconhecidos que ela encontra no tempo de uma viagem, a lente de Fernanda Tafner consegue criar uma intimidade raramente presente nos transportes públicos das metrópoles.

Em um outro tipo de registro, a série Tactile, igualmente exposta na exposição “Matérias à pensar” no Centro Tignous de Arte Contemporânea em Montreuil (França), propõe uma experiência sensorial ligada ao tato. Banhado pela iluminação natural de um estúdio fotográfico, o corpo de Volmir Cordeiro (dançarino profissional brasileiro) parece estar prestes a desaparecer nas margens destes ambiciosos enquadramentos. Pois aqui, mais uma vez, é a coreografia das mãos no ar e na pele do modelo que chama a atenção de Fernanda Tafner. Graças a um trabalho rigoroso sobre a luz, sobre as cores e os efeitos sutis das texturas, a materialidade do corpo dançante se torna estranha e questiona a porosidade das fronteiras entre o movimento e o inércia, a vida e o mórbido.

Porque na história da evolução a compreensão é uma consequência feliz da capacidade de preensão, as mãos permitiram ao homem, tateando em seu caminho na obscuridade de um mundo que lhe parece repleto dos perigos, de agarrá-lo com ternura.



     













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