Propício
quinze fotografias preto e branco,
impressão jato de tinta sobre papel Hahnemühle Bright white 310 g,
dimensões variadas
2020
Esta
série surge da necessidade de sair do abismo causado pela imposição
do confinamento e de todo sofrimento provocado pela propagação do
vírus covid-19. Mergulhada em um forte sentimento de aprisionamento,
foi invadida por uma tristeza profunda. Éramos dois adultos e uma
criança trancados em um pequeno apartamento na periferia de Paris.
Ao mesmo tempo que eu vivia intensamente minhas inquietudes, minha
filha se rejubilava em seu mundo de fantasia infantil. Observá-la
era a única maneira que achei para me revitalizar. Comecei então a
fotografá-la nos momentos mais ordinários como o banho, o lanche ou
as brincadeiras. Percebi que o que era ordinário e às vezes
entediante para mim não era pra ela. Tudo continuava a ter graça
aos seus olhos. Fotografá-la se tornou assim uma forma de me
restabelecer. Pouco a pouco impliquei-a nessa prática e ela aceitou
colaborar comigo. Um dos raros momentos ao ar livre era no jardim da
vizinha. Ali comecei a coletar folhas e gravetos e a realizar algumas
imagens. Assim nasce a série Propício. Cujo nome é inspirado na
canção « Oração ao tempo », do cantor e compositor
brasileiro Caetano Veloso. A letra aproxima a ideia do tempo (e todas
as possibilidades que se abrem) a de um deus que rege toda a
existência e além. Associar esses elementos naturais ao corpo ainda
tão jovem de minha filha foi um gesto intuitivo e visceral.
Lembrei-me da minha infância, vivida em meus às plantas, em uma
pequena cidade do interior de Santa Catarina. Pensei em como tudo é
tão diferente hoje. E me dei conta a que ponto o contato com a
natureza me falta. Pensei nas razões que me fizeram estar onde estou
hoje. Produzir essas imagens foi uma forma de compor essa melodia
entre o passado e o presente. Um amalgama de sensações e de
reflexões, antigas e novas. Propício é assim o que fazemos com
aquilo que resta no tempo presente.